Geraldo Pinheiro é médico psiquiatra e escreve para o NOVO quinzenalmente.

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Opinião

Artigo Pra frente é que se anda? Será mesmo?

Sabemos que, na “estrada da vida” de cada um de nós, há momentos em que precisamos parar e rever alguns conceitos, posturas, falas e atitudes. Muitas vezes, temos que inclusive, não só parar, mas recuar

por: Geraldo Pinheiro, psiquiatra

Publicado 22 de janeiro de 2025 às 16:45

A belíssima música “amigo é pra essas coisas”, de Aldir Blanc e Sílvio da Silva Júnior, é uma conversa entre duas pessoas, grandes amigos de longa data, que se encontram no que parece ser um bar ou restaurante. Interessante perceber o contraponto que ocorre entre as vidas de cada um no que diz respeito principalmente aos sucessos amorosos. Entretanto, em um certo momento, um dos personagens fala: “pra frente é que se anda”! Essa expressão é muito usada no linguajar do dia a dia. Ela carrega o sentido de que “avanços têm que ocorrer”; “devemos sempre avançar na vida, nunca retroceder”. Ao mesmo tempo, pode servir como uma frase de incentivo para outra pessoa. Para quem está precisando, uma palavra de incentivo é bem-vinda. Mas, as coisas são tão simples assim?

Confesso que admiro a obra de Aldir Blanc, a interpretação do grupo MPB-4, bem conhecida, é extremamente inspiradora. Todavia, ao prestar atenção ao trecho já referido da canção, lembro-me de um outro trecho de uma outra obra de arte: o livro “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry, escritor francês que viveu entre 1900 e 1944.

Muitos acreditam que este livro é um texto infantil. É claro que ele pode (e deve) ser lido por crianças, mas é claro também que ele não é um texto puramente infantil. Costumo dizer que salpicar a leitura desse texto em diferentes fases da vida, em que o leitor tenha diferentes níveis de maturidade e já tenha sido submetido a vastas experiências e vivências, traz sensações renováveis. Foi exatamente isso que aconteceu comigo. E, em cada leitura que eu fazia da obra, eu percebia coisas diversas e encontrava espaço para reflexões diferentes. Até hoje, em cada leitura, consigo experimentar ainda novas sensações. 

O Pequeno Príncipe é, na verdade, uma grande parábola. E, como toda parábola, pode ser interpretada do ponto de vista denotativo (literal) e do ponto de vista conotativo, verificando e interpretando as metáforas.

O livro conta a história de um menino que vive sozinho, com uma flor e seus vulcões e arbustos, num planeta minúsculo. Eis uma imagem do Pequeno Príncipe em seu planeta (tirada da própria obra):

Ele quer ter um amigo. E, para isso, abandona o seu planeta a fim de conhecer pessoas. Passa por diversos planetas, também pequenos, até que chega ao Planeta Terra. Aqui, encontra um aviador – narrador da história – que, há poucos dias, tivera uma pane e pousara nas areias de um deserto. Com esse aviador, elabora-se a amizade que tanto deseja. 

Em uma das conversas que ele tem com o aviador, pede ao mesmo para lhe desenhar um carneiro. Acontece que o Pequeno Príncipe não era muito de dar explicações sobre si, nem sobre a sua vida no seu planeta distante. O aviador, entre preocupações de como consertar sua máquina e de como sobreviver no deserto, ainda encontra tempo para intrigar-se com as informações imprecisas que o seu único interlocutor lhe fornecia. Contemplem um trecho de um diálogo entre os dois (depois de muito dialogarem sobre desenhos de carneiros e de o aviador ainda não ter a compreensão exata de onde aquela criatura surgira):

“Imaginem como eu ficara intrigado com aquela simples menção a ‘outros planetas’. Esforcei-me, então, por saber um pouco mais. 

  – De onde vens, meu caro? Onde é a tua casa? Para onde queres levar o meu carneiro?

Ficou algum tempo em silêncio e depois respondeu:

– O bom é que a caixa que me deste poderá, à noite, servir de casa para ele.

– Sem dúvida. E, se tu fores um bom menino, te darei também uma corda para amarrá-lo durante o dia. E uma estaca para prendê-lo.

A proposta pareceu chocá-lo:

– Amarrar? Que ideia estranha!

– Mas, se tu não o amarrares, ele vai-se embora e se perde…

E meu amigo deu uma nova risada:

– Mas aonde pensas que ele vai?

– Não sei… Por aí… Andando sempre em frente.

Então o pequeno príncipe disse, muito sério:

– Não faz mal, é tão pequeno onde moro!

E depois, talvez com um pouco de tristeza, acrescentou ainda:

– Quando a gente anda sempre em frente, não pode mesmo ir longe…”

De fato, de tão pequeno que é o planeta do Pequeno Príncipe, em questão de segundos, ele conseguiria contorná-lo se fosse caminhando sempre em frente. Seguindo nessa interpretação literal do texto, não há como ir longe andando sempre “pra frente”. Porém, o livro, como já dissemos, permite múltiplas interpretações para além da apenas denotativa. 

Sabemos que, na “estrada da vida” de cada um de nós, há momentos em que precisamos parar e rever alguns conceitos, posturas, falas e atitudes. Muitas vezes, temos que inclusive, não só parar, mas recuar. Dizem por aí que “menos é mais”. Eu diria que, sim, algumas vezes, menos é mais. E, ainda obedecendo à metáfora de que a vida é uma estrada [uma metáfora mais rica é a de que “a vida é uma ópera”, mas deixo isso para as habilidades de Machado de Assis (ver capítulo 9 do livro Dom Casmurro)], não serão incomuns os momentos que teremos que tomar à direita ou à esquerda; ou até abandonar aquela estrada para tomar uma outra…

É ingênuo aquele que pensa que o bom é sempre andar para frente. Nesta vida, parafraseando Chico Buarque em Roda-Viva, temos que estar sensíveis para essas outras rotas, rodas e voltas com as quais o nosso coração tende a nos surpreender.

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