O Ministério Público Federal (MPF) acionou judicialmente, por danos ambientais, o proprietário de um empreendimento construído em área de preservação permanente na Praia do Sagi, município de Baía Formosa, distante 97 km de Natal (RN). A ação civil pública apresentada à Justiça Federal inclui o Município de Baía Formosa, que deve responder por omissão no dever de fiscalizar e embargar tais atividades.
De acordo com o procurador da República Camões Boaventura, o objetivo é fazer cessar e reparar os danos ambientais, além de proteger recursos naturais e culturais relacionados ao povo indígena e ao território Potiguara. “Isso inclui a exigência de que seja realizada, com urgência, a demolição completa das construções irregulares mencionadas nesta demanda, a fim de evitar a continuidade e agravamento dos danos ambientais, bem como a elaboração e execução de um Plano de Recuperação da Área Degradada (Prad)”, explica, na ação.
O empreendimento, conhecido anteriormente como Pousada Bangalô, foi construído de forma irregular na área de proteção permanente há aproximadamente seis anos. Inicialmente, consistia em chalés, mas, ao longo do tempo, tem se expandido e afetado cada vez mais a área de manguezal e mata ciliar.
Manguezais e aquecimento global – Na ação apresentada à Justiça, o MPF destaca a importância da manutenção dos manguezais, considerados um dos mais eficientes ecossistemas no combate ao aquecimento global, devido à enorme capacidade de sequestrar carbono. “As medições revelam a propensão dos mangues em absorver carbono atmosférico durante o processo de fotossíntese, e armazená-lo como carboidratos, nas formas de açucares e celulose. Assim, em tempos em que o planeta Terra experimenta um preocupante cenário de emergência climática, os manguezais desempenham singular e relevante função”, aponta.
O MPF ressalta, na ação civil pública, a Política Nacional sobre Mudança de Clima, estabelecida pela Lei nº 12.187/09, que tem, entre os objetivos, a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a proteção do sistema climático; a redução das emissões antrópicas de gases de efeito estufa em relação às suas diferentes fontes; o fortalecimento das remoções antrópicas por sumidouros de gases de efeito estufa no território nacional; e a consolidação e a expansão das áreas legalmente protegidas e ao incentivo aos reflorestamentos e à recomposição da cobertura vegetal em áreas degradadas.
Sumidouro, de acordo com a lei, é “um processo, atividade ou mecanismo que remove da atmosfera gás de efeito estufa, aerossol ou precursor de gás de efeito estufa”, a exemplo das florestas e oceanos, que são sumidouros naturais. “Estudo publicado na revista Frontiers in Forests and Global Change (2022) indica que um hectare de manguezal no Brasil pode armazenar entre duas e quatro vezes mais carbono do que um mesmo hectare de outro bioma qualquer, incluindo a floresta amazônica”, explica o MPF, apontando a necessidade da preservação do manguezal como contribuição do Brasil no contexto global de emergência climática.
A proteção das áreas de mangue também se mostra relevante no aspecto ambiental, especialmente no Rio Grande do Norte, diante do intenso processo de erosão costeira da faixa litorânea brasileira. No local onde está instalado o empreendimento questionado pela ação, segundo o MPF, é evidente o processo erosivo em andamento, certamente influenciado pelas edificações irregulares.
Território indígena – A construção do empreendimento às margens do Rio Cavaçu, conforme explica o MPF na ação civil pública, acarretou a remoção de mata ciliar e floresta de manguezal para construção de chalés, aterro, espaço para guarda de barcos, tanque de criação de peixes e mirante, no leito do rio, na Praia do Sagi.
O Rio Cavaçu está localizado dentro do território do povo Potiguara de Sagi, com processo de demarcação em andamento na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). O MPF aponta que as atividades relacionadas à instalação e funcionamento da pousada causaram e ainda causam diversos danos ao meio ambiente e ao modo de vida da população indígena que ali habita, afetando relações de trabalho, afetividade, pertencimento e os modos de vida do povo Potiguara.
Em depoimentos, indígenas relataram que são impedidos pelos gestores do empreendimento de pescar na área próxima à construção, prejudicando o atendimento a necessidades básicas da comunidade. Destacaram, ainda, a disparidade entre a organização dos Potiguara e o poder econômico dos não indígenas que disputam o território de uso tradicional e que está em processo de demarcação indígena. Um dos indígenas declarou que a construção arbitrária de um tanque de peixes na parte do rio de onde tradicionalmente os Potiguara de Sagi retiravam água em potes de barro foi um desrespeito em relação ao que é significativo para os povos originários daquelas terras.
Pedidos – Na ação, o MPF requer que o proprietário do empreendimento seja proibido de realizar qualquer instalação, construção, reforma, ampliação, uso e funcionamento de qualquer edificação ou atividade existente que se pretenda instalar na área de proteção permanente, sob pena de multa. Em relação ao Município de Baía Formosa, o órgão pede que seja condenado a realizar imediatamente fiscalização e autuação do imóvel, sob pena de multa diária, e se abster de autorizar a realização ou reforma de qualquer empreendimento na área.
A ação inclui também pedido para demolição completa, no prazo de 60 dias, das edificações irregulares instaladas na área de preservação permanente e apresentação e execução do plano de recuperação da área degradada em até seis meses.
O MPF requer, ainda, que, ao término do processo, os dois acusados sejam condenados a pagar, de forma solidária, indenização por danos morais coletivos e materiais em prol da reparação dos prejuízos causados. Os valores devem ser calculados conforme o previsto na Lei nº 7.347/1985, que inclui normas relacionadas à ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente.
Crimes ambientais – O MPF também apresentou à Justiça Federal uma ação penal contra o proprietário do empreendimento por crimes ambientais previstos na Lei nº 9.605/98. Entre as condutas criminosas estão destruir e aterrar floresta de manguezal; fazer funcionar estabelecimento potencialmente poluidor e extrair recurso mineral (areia), sem licença do órgão ambiental competente; impedir a regeneração da vegetação natural; além de se esquivar da fiscalização.
O órgão aponta ainda a existência de agravantes aos crimes, como o objetivo de obter lucro e o fato de terem ocorrido em área protegida. Para os crimes mencionados na ação penal, há previsão de penas de detenção e multa.
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