Em 2020, Francisco Alef, agora com 11 anos, assim como muitas crianças potiguares, teve que se readaptar ao novo momento enfrentado pela pandemia da covid-19. Sem poder ir à escola, com atividades reduzidas dentro de casa, o garoto ganhou aproximadamente 20 quilos, chegando a pesar quase 45kg, sendo inserido no grau de obesidade infantil.
“Ele veio pra cá, porque no período da pandemia, ele ficou muito ansioso e engordou muito com muitos problemas ocasionados pela ansiedade, e por isso, a gente procurou ajuda. Agora, ele já está aqui há quase um ano, sendo acompanhado pela equipe multidisciplinar e já perdeu praticamente todo o peso que ganhou naquela época”, relatou Lenilza de Azevedo Silva, mãe de Francisco.
O relato da dona de casa aconteceu em conversa com a equipe de reportagem do NOVO Notícias, durante uma das atividades realizadas com as crianças assistidas pelo Núcleo para Tratamento de Obesidade, sediado no Hospital Infantil Varela Santiago, na zona Leste de Natal.
Além de Francisco que já está em acompanhamento, quem iniciou no mês de setembro deste ano as atividades no Núcleo foi Pedro Gabriel, de 8 anos. O garoto passou pela triagem no início do segundo semestre. Após avaliação dos profissionais, ele foi inserido no programa. A cada três semanas, a criança vai receber atendimentos presenciais para avaliação de rotina e práticas de exercícios.
Segundo a mãe de Pedro, Dayane Costa, o aumento de peso aconteceu de forma gradativa. A empregada doméstica disse que o garoto relatou constantes reclamações sobre o condicionamento físico, e após indicação realizada em uma Unidade Básica de Saúde, ela procurou o núcleo. A mãe do menino afirmou também que um dos motivos para o quadro de obesidade da criança foi o relaxamento da família.
“Ele já vinha sendo acompanhando na UBS, mas aí eu relaxei, deixei algumas coisas de lado, com isso aconteceu o aumento de peso”, disse Dayane.
As histórias de Francisco e Pedro refletem a atual preocupação em relação à obesidade infantil. Dados do Relatório de Estado Nutricional do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), do Ministério da Saúde, apontam que o índice de obesidade infantil no Rio Grande do Norte teve uma elevação nos últimos 10 anos.
Em 2013, a obesidade atingia no estado, cerca de 10,66%. Já em 2023, essa porcentagem de peso elevado para idade de crianças entre 5 e 10 anos é de 15,43%, representando uma média de 15 a cada 100 crianças potiguares. Os números levam em conta o Índice de Massa Corporal (IMC) dos pequenos que foram pesados e medidos, sendo que o problema é considerado grave quando o IMC é maior que 40 kg/m².
A taxa de obesidade infantil abrange um maior número de crianças. Isso se explica porque o sobrepeso está diretamente relacionado à má alimentação, caracterizada pelo consumo de alimentos mais calóricos e de baixa qualidade nutricional. Com isso, crianças obesas podem, no futuro, desenvolver doenças crônicas — relacionadas ao excesso de peso —, como hipertensão, diabetes e problemas cardiovasculares.
“A obesidade infantil hoje é uma preocupação de saúde pública que está atingindo todas as camadas sociais do Brasil. Cada vez mais, crianças menores estão com peso elevado para idade e até com problemas de dislipidemia (exames alterados), podendo até chegar na síndrome metabólica”, enfatizou Lorena Tinoco, nutricionista materno infantil.
A profissional ressalta a importância do comprometimento familiar nesse processo junto à criança. Para ela, fazer com que toda família esteja comprometida faz total diferença no resultado final.
“É importante que a família leve suas crianças para o acompanhamento do pediatra e nutricionista para que a criança possa ser ajudada. A orientação nutricional da família, cuidadores, escola e para as crianças, deve fazer parte da prevenção ao tratamento da obesidade infantil. Mostrar para eles como acessar, consumir e ter alimentos mais saudáveis in natura ou minimamente processados, favorece o sucesso do acompanhamento desta criança, e na evolução positiva dos hábitos alimentares juntamente com o dos pais”, explicou Lorena.
A nutricionista aponta alguns cuidados que devem ser adotados pelos pais ou responsáveis dos pequenos durante a alimentação.
“Os pais precisam estar mais presentes à mesa e às refeições, mais atentos ao que seus filhos comem ou levam para escola, procurar ajuda e informações sobre quais as melhores escolhas de alimentos industrializados dentro do possível, e procurar manter a criança em atividades esportivas durante a rotina da criança”.
Para a nutricionista, um dos fatores que também contribui para esse cenário é a questão social. Ela relata que as famílias têm dificuldade de acesso à alimentação saudável devido ao preço. Às vezes, é mais barato adquirir comidas ultraprocessadas — com excesso de gorduras, sódio e açúcar — que produtos naturais.
Ela destaca o papel também do estado em proporcionar, através de políticas públicas, o acesso ao alimento de qualidade. “Não é só papel da escola e dos pais de garantir a qualidade de vida e nutricional para elas, mas também papel do estado pelas políticas públicas fornecer condições de acesso à alimentação mais saudável, mais baratos, como também proteger estas crianças da publicidade dos alimentos ultraprocessados infantis. É importante o encaminhamento desta família para as políticas públicas de segurança alimentar e nutricional”, encerra.
Núcleo auxilia na redução da Obesidade Infantil no RN
Em funcionamento desde outubro de 2019, o Núcleo de Tratamento da Obesidade Infantil do Hospital Varela Santiago já realizou mais de oito mil consultas, com a redução superior a 90% no peso dos pacientes.
Atualmente, mais de 100 crianças com idades entre 4 e 12 anos são acompanhadas no Núcleo. A cada duas semanas, os grupos se reúnem para acompanhamento nutricional, pediátrico. Além disso, atividades físicas e atendimentos psicológicos são proporcionados aos pequenos.
Para ter acesso ao tratamento é preciso passar pela triagem. Os profissionais avaliam de forma individual a criança para saber se elas atendem os requisitos necessários para iniciar o acompanhamento.
“Aqui recebemos demanda livre, então, vem crianças das unidades básicas, como também, aquelas que chegam aqui diretamente na sede do núcleo. É feito todo processo para saber se realmente essa criança atende os requisitos, e à medida que vão surgindo vagas, já que temos grupos fixos, vamos chamando outros pacientes”, explicou Karoline Nóbrega, endocrinologista no Núcleo.
Através do trabalho desempenhado pelo núcleo, as crianças são acompanhadas in loco, mas também, orientadas junto aos familiares sobre as práticas que podem auxiliar em um resultado mais eficaz do tratamento.
“Existem questões genéticas, mas também não podemos esquecer as questões nutricionais e ambientais, onde essa criança está inserida. Com isso, vemos muito hoje a exposição das crianças às telas, o que acaba desenvolvendo ainda mais o sedentarismo. Aqui, a gente mostra a importância desse trabalho multifuncional para que a criança também consiga, junto aos pais, um bom resultado”, destacou Karoline.
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